quarta-feira, 27 de março de 2013

Há um Século


"  Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita, naquela triste manhã  de abril de 1860, estava exausto,acrabrunhado. Fazia frio.
   Muito  embora a consolidação da Sociedade Espírita de Paris e a promissora venda de livros, escasseava o dinheiro para obra gigantesca que os Espíritos Superiores lhe haviam colocado nas mãos.
   A pressão aumentava...
   Missivas sarcásticas avolumavam-se à mesa.
   Quanto mais desalentado se mostrava, chega a paciente esposa, Madame Rivail_ a doce Gaby_, a entrega-lhe certa encomenda, cuidadosamente apresentada.
   O professor abriu o embrulho, encontrando uma carta simples. E leu:
   "Sr. Allan Kadec:
         Respeitoso Abraço.
   Com a minha gratidão, remeto-lhe o livro anexo,bem como a sua história, rogando-lhe, antes de tudo, prosseguir em suas tarefas de esclarecimentos da Humanidade, pois tenho fortes razões para isso.
   Sou encardernador desde a meninice, trabalhando em grande casa desta capital.
   Ha cerca de dois anos casei-me com aquela que se revelou minha companheira ideal.Nossa vida corria normalmente e tudo era alegria e esperança, quando, no início deste ano, de modo inesperado, minha Antoinette partiu desta vida, levada por sorrateira moléstia.
   Meu desespero foi indescrítivel e julguei-me condenado a desamparo extremo.
   Sem confiaça em Deus, sentindo as necessidades do homem do mundo e vivendo com as dúvidas aflitivas de nosso século, resolvera seguir o caminho de tantos outros, ante a fatalidade....
   A prova da separação vencera-me, e eu não passava, agora, de um trapo humano.
   Faltava ao trabalho e meu chefe, reto e ríspido, ameaçava-me com a dispensa.
   Minhas forças fugiam.
   Namorava diversas vezes o Sena e acabei planejando suicidio. "seria fácil, não sei nadar"- pensava.
   Sucediam-se noites de insônia e dias de angústia. em madrugada fria, quando as preocupações e o desânimo me dominaram mais fortemente, busquei a Ponte Marie.
   Olhei em torno, contemplando a corrente....E ao fixar a mão direita para atirar-me, toquei um objeto algo molhadoque se deslocou da amurada, caindo-me aos pés.
   Surpreendido, distingui um livro que o orvalho umedecera.
   Tomei o volume nas mãos procurando a luz mortiça do poste vizinho,  pude ler, logo no frontispício, entre irritado e curioso:
   "Está obra salvou-me a vida. Leia-a com atenção e tenha bom proveito_ A.Laurent."
    Estupefato, li a obra_' O Livro dos Espíritos' - ao qual a acrescentei breve mensagem, volume esse que passo às sua mãos abnegadas, autorizando o distinto amigo a fazer dele o que lhe aprouver."
   Ainda constavam da mensagem de agradecimentos finais, a assinaturra, a data e o endereço do remetente.
   O Codificador desempacotou, então, um exemplar de " O Livro dos Espíritos' ricamente encardernado, em cuja
capa viu as iniciais de seu pseudônimo e na página do frontispício, levemente manchada, leu com emoção não somente a observação a que missivista se referira, mas também outra, em letra firme.:
   "Salvou-me também.Deus abençoe as almas que cooperaram em sua publicação - Joseph Perrier."

    Após a leitura da carta providencial, o Professor Rivail experimentou nova luz a banha-lo por dentro...
    Conchegando o livro ao peito, raciocinava, não mais em termos de desânimo ou sofrimento, mai sim na pauta
de radiosa esperança.
    Era preciso continuar, desculpar as injúrias, abraçar o sacrifício e desconhecer as pedradas...
    Diante do seu Espírto turbilhonava o mundo necessitado de renovaçao e consolo.
    Allan Kardec levantou-se da velha poutrona, abriu a janela à sua frente, contemplando a via pública, onde
passavam operários e mulheres do povo, crianças e velhinhos...
    O notável obreiro da Grande Revelação respirou a longos hautos, e, antes de retomar a caneta para serviço]
costumeiro, levou o lenço ao olhos e limpou uma lágrima..."


                                                             Hilário Silva

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